O momento em que escrevo, no primeiro dia de agosto imediatamente antes das férias e numa altura em que o País se prepara para receber Sua Santidade o Papa Francisco, é um momento de balanço e de alguma reflexão prospetiva. Balanço de uma primeira metade do ano extremamente difícil, em que o país conheceu uma das suas piores secas, que se seguiu aliás a outro ano já ele de seca severa. Os efeitos de secas acumuladas, como se sabe, não se somam multiplicam-se, foi esse o nosso caso. E os agricultores tiveram de enfrentar a situação praticamente sozinhos. Ao contrário do exemplo espanhol, em que o Governo de Madrid, para não falar nos das comunidades autónomas, não esperou pelas decisões de Bruxelas para avançar com os indispensáveis apoios aos seus agricultores, antes utilizou esse mesmo apoio como forma de pressionar a Comissão Europeia a avançar com fundos próprios da União, o nosso Governo, reconhecendo embora publicamente a gravidade da situação, evitou uma posição pró-ativa e até este momento os agricultores continuam ainda a aguardar a concretização de eventuais apoios relativos à seca do corrente ano. Desapontadora foi igualmente a reação do Ministério da Agricultura às intempéries desastrosas que afetaram uma parte da região de Trás-os-Montes; quando se esperaria uma reação rápida e até um particular sinal de empenho dados os circunscritos limites geográficos da área em causa, a reação tíbia provocou natural deceção e deixou neste caso que fossem as próprias Câmaras Municipais a assumir o essencial da resposta e a proteção dos agricultores afetados.

Mas a primeira parte de 2023 trouxe paradoxalmente também sinais muito positivos e encorajadores para os agricultores portugueses. Em primeiro lugar, o sinal de união e determinação materializado nas manifestações que, em números sem precedente, sob a batuta da CAP, ocuparam de janeiro a março várias cidades nas mais diversas regiões do país, de Mirandela a Évora, de Castelo Branco a Beja, de Portalegre às Caldas da Rainha. Os agricultores expressaram de forma particularmente audível o seu protesto contra o novo Plano estratégico da nova política agrícola comum (PEPAC), contra os atrasos no PDR 2020, contra a falta de atenção à floresta e, sobretudo, contra o desmembramento – e a falta de diálogo – do Ministério da Agricultura. Foi também possível, em conjunto com a Distribuição, assinar com o Governo um acordo positivo sobre a compensação ao aumento dos custos de produção (conhecido como IVA zero, mas que vai muito para lá disso). Este acordo tem diversas vertentes que acreditamos serão respeitadas. Uma delas é a revisão do PEPAC que deverá tornar-se num elemento dinamizador, facilitador da atividade agrícola, potenciador da sua modernização e não num instrumento burocrático, tecnicamente tão ininteligível que acaba por ser redutor das opções do agricultor, como se comprovou – e a CAP tinha atempadamente alertado – com a necessidade sentida de prolongar até hoje o prazo para a apresentação do Pedido Único. Aquele acordo, sendo prolongado, terá necessariamente de envolver os agricultores. Por outro lado, os atrasos na criação de condições para a entrega dos Pedidos Únicos não poderão servir de desculpa para retardar a entrega atempada aos agricultores das verbas da União Europeia a que têm direito.

Temos na nossa frente três enormes desafios: a já referida revisão do PEPAC, uma nova abordagem integrada à questão da floresta, que valorizando a sua importantíssima função ambiental a pense também na sua vertente económica, justamente para que possa assumir em plenitude a sustentabilidade ambiental e até social, e por fim uma reflexão alargada sobre a água em Portugal, que congregue num verdadeiro desígnio nacional e sobre bases científicas as diversas correntes político-partidárias. Não receemos discutir sem tabus aquilo que é condição de sobrevivência e de soberania para o nosso país.

Orgulhosa do sucesso da Feira Nacional da Agricultura, que este ano contou com a presença de Sua Excelência o Senhor Presidente da República e acolheu um número invulgar de visitantes, confiante em igual sucesso na AGROGLOBAL no início de Setembro, a CAP continuará empenhada em dialogar seriamente, desde logo com o Governo e os Parceiros Sociais, na procura de soluções pragmáticas e viáveis, mas não abdicará da defesa intransigente dos agricultores que o mesmo é dizer da Agricultura Nacional.


ÁLVARO MENDONÇA E MOURA

Presidente da CAP