Regresso com o maior gosto ao Editorial da Revista do Agricultor, a publicação mais emblemática da nossa Confederação, pelo menos para mim, pois muito aprecio o toque do papel, a passagem das páginas e o espreitar das fotografias, e até o cheiro da tipografia quando abrimos o saco em que nos chega a casa. São as nossas notícias, da família que somos, os Agricultores de Portugal.

Aceitei no momento escrever estas linhas, agradecendo à Direcção o amável convite para me associar desta forma às comemorações do 50º aniversário da CAP, a decorrerem neste ano de 2025.

O desafio chegou poucos dias antes da Páscoa e cedo comecei a pensar no que poderiam ser as minhas primeiras palavras, pois a Páscoa não é apenas uma época festiva. Mais, ou menos crentes, a Páscoa é, queiramos ou não, um marco no calendário anual do mundo, pelo que importa perceber o seu verdadeiro significado para a humanidade. Por exemplo, o porquê dos ovos de Páscoa? Pois bem, porque os ovos estão associados ao nascer, ao começar ou, se quisermos, ao recomeçar, que foi o que a Páscoa nos trouxe com a ressurreição de Cristo.

Estava eu embrenhado neste meu pensamento quando fomos surpreendidos com a notícia da morte do Papa Francisco, no dia seguinte ao domingo de Páscoa, dia em que se despediu de todos, num esforço hercúleo bem patente nas imagens que nos chegaram em directo do Vaticano. Só ele sabia que a sua hora estava a chegar.

Pois bem, é por esse motivo que me debruço um pouco mais sobre este tema. O Papa partiu, a vida continua e outro virá, mas Francisco deixou-nos um legado que muito tem a ver com a agricultura e com os agricultores. A sua permanente preocupação com a vida digna dos homens, com o combate à pobreza, a misericórdia e a necessidade de haver comida para todos, em respeito para com a Natureza e a salvaguarda do ambiente, tão bem espelhadas na sua encíclica Laudato Si´, onde de forma simples, como tantas foram as suas expressões, nos fala da nossa Casa Comum, o planeta em que vivemos e que devemos explorar de forma sensata, ao serviço de todos.

É exactamente este o mote que pretendo enaltecer nestas linhas. A nossa luta de 50 anos em torno da dignidade da actividade agrícola, do respeito pelos agricultores e pelo reconhecimento e valor do conhecimento que foram acumulando ao longo do tempo e que se esforçam por colocar ao serviço da humanidade e no respeito pela terra, como o Papa tão bem identificou.

A agricultura hoje é muito diferente, evoluiu e continua a desempenhar o seu papel, mas a sociedade, neste processo de evolução, nem sempre tem acompanhado de forma objectiva, e leal, o esforço e a importância que os agricultores têm na sociedade e na protecção da tal Casa Comum em que todos habitamos.

Por isso foram tão importantes os passos dados durante estes 50 anos. Ultrapassados a maioria dos problemas relacionados com a restituição das terras aos seus legítimos donos, a CAP embrenhou-se nos assuntos dos diversos momentos marcantes da vida política nacional, europeia e mundial, para aí manter a liderança na defesa da agricultura e dos agricultores de Portugal.

A Política Agrícola Comum, talvez a mais importante política que a Europa abraçou, continua a marcar a agenda, levando a CAP a manter desde a primeira hora a sua presença permanente em Bruxelas, integrando o COPA, mas também o GEOPA, o CESE, a CEPF e mais recentemente a ELO, a estrutura europeia de defesa da propriedade rural. As relações com o mundo, através do acompanhamento da agenda, como recentemente aconteceu com as negociações do Mercosul, ou a nível interno, através da sua presença na Concertação Social, no CES, na consolidação de posições concertadas com as outras organizações de cúpula do sector empresarial do País, a CNCP, ou a presença no IEFP, com assento no seu Conselho de Administração, são alguns dos exemplos da posição vanguardista que a CAP soube conquistar e manter desde a sua fundação.

Trata-se de um trabalho sem fim, muitas vezes pouco percepcionado, mas muito importante para que o governo (os governos) mantenha o seu reconhecimento e a sua confiança na principal organização representativa do sector agro-florestal do país, como aconteceu através da condecoração atribuída por Sua Excelência o Senhor Presidente da República, em Novembro de 2019 em Tomar, no decorrer do Conselho de Presidentes.

A CAP é o baluarte e o estandarte dos Agricultores de Portugal.

Olhando o futuro, a época que atravessamos traz-nos angústia. O Homem está desorientado. Por todo o mundo assistimos a disrupções e a uma falta de rumo que urge interromper. Uma vez mais, regressando aos pensamentos do Papa Francisco, é no ser humano que devemos centrar a nossa atenção, na possível harmonia que desejamos, mas poucos se empenham em promover, como ele tanto apelou.

As guerras em curso, a ameaça que significam para a humanidade, as lutas internas nos mais diversos países, com destaque para o que se passa na Europa, nos problemas associados à imigração, à falta de consenso em torno de assuntos importantes como a água, à forma de protegermos o ambiente e a terra, o uso das tecnologias e dos produtos que nos permitem produzir com eficácia e rentabilidade, ou o estranho e absurdo comportamento do presidente actual dos Estados Unidos da América, dão-nos uma imagem das dificuldades que temos hoje em programar e em decidir, pois as variáveis e as dúvidas são demasiadas para permitirem tomadas de posição com um mínimo de tranquilidade, ou mesmo de confiança.

Mas essa confiança não pode perder-se, razão que leva a CAP a manter viva a chama dos jovens, promovendo-os e defendendo-os, como faz com os concursos nacional e europeu, com as acções de formação, com os programas associados às universidades e às escolas. E também ao enaltecimento da presença das mulheres neste mundo agrícola, tão injustamente associado a uma imagem de masculinidade. O que seria dos homens, da humanidade, sem a mulher? O sucesso do programa TalentA é o espelho dessa atitude de reconhecimento da importância da mulher no centro do sector agro, não apenas em Portugal, mas no mundo.

São estes os desafios que se nos colocam na actualidade. É por isso importante olharmos para o interior da nossa organização, para as nossas associadas. É nas nossas Associações de Agricultores, agrícolas, florestais ou pecuárias, nos seus dirigentes e nos seus membros, que está a nossa força, o nosso cerne, o nosso sangue.

É na nossa união, na consolidação do nosso movimento, na concertação de tomadas de posição, que a verdadeira defesa do sector assenta. Por isso um permanente apelo ao interesse e ao envolvimento que não podemos descurar, seja na participação em reuniões, na disponibilidade para integrarmos órgãos sociais, na representação em fóruns e eventos, enfim, um envolvimento que se transforma em sintonia, para que o sector mantenha viva a sua capacidade de reagir, com conhecimento de causa, com discernimento activo e consciente, com espírito de equipa. É essa a razão de ser ca CAP.

Aproximam-se de novo eleições. Pois bem, é chegada a hora de uma vez mais reflectirmos sobre o que verdadeiramente queremos e podemos alcançar. A interrupção do ciclo governativo em que nos encontrávamos foi algo absurda, mas tendo acontecido, convém analisarmos o caminho que estávamos a desenvolver, comparando-o com o passado recente, nem sempre de boa memória. Sejamos conscientes e, como uma vez escrevi, votemos com a cabeça, não com o coração.

Termino recorrendo à mais simples e mais famosa frase do Papa Francisco, que lhe saiu espontaneamente naquele dia quente de Agosto de 2023, em Lisboa, nas Jornadas Mundiais da Juventude, ao querer abraçar toda a multidão e o mundo que tinha por diante. Que sejamos capazes de nos unir e manter firmes nas nossas convicções, na defesa da nossa agricultura… TODOS, TODOS, TODOS!


EDUARDO OLIVEIRA E SOUSA

Presidente da Assembleia Geral da CAP


O autor escreve de acordo a antiga ortografia