Senhor Ministro da Agricultura

Encontramo-nos no cerne do regadio, local de demonstração do potencial que estas terras e estas gentes têm, quando a água, esse bem tão precioso no enquadramento mediterrânico do nosso País, está pressente em quantidade e oportunidade. Neste Aproveitamento Hidroagrícola isso acontece desde 1958, com a conclusão da barragem de Montargil, há exactamente 60 anos, mas ao contrário dos sexagenários, que ambicionam parar de trabalhar por essa altura, arrisco-me a dizer que o Vale do Sorraia se sente ainda jovem, talvez um jovem adulto, que sabe o que quer e para onde quer ir, assim a política, ou as políticas, o permitam e ajudem.

Este Vale do Sorraia, moldado pela sua Obra de Rega, é um enorme bem para o País, pela economia que representa, pelas populações que continua a fixar, pelo serviço comum que presta.

Vivem-se contudo tempos de enorme incerteza, fruto das alterações climáticas que se agravam e aceleram. Passámos recentemente por uma situação de seca de proporção e angústia nunca antes sentida. Foram tomadas algumas medidas, anunciadas outras, mas com a chegada da chuva, que graças a Deus veio em quantidade, para além do enorme alívio que trouxe ao sector, parece ter feito esquecer tudo o resto, como se a seca fosse agora algo do passado. Nada de mais errado.

O que foi feito das medidas anunciadas e que tanto criticámos, como o dragar albufeiras e aumentar muros de barragens? Onde estão os resultados, qual a análise dos mesmos?

Senhor Ministro, poucos sectores terão evoluído tecnologicamente como a agricultura associada ao regadio nos últimos tempos. O verdadeiro Uso Eficiente da Água, tão badalado e querido do mundo urbano, é no campo que pode ser verdadeiramente observado.

A economia circular não é novidade na agricultura. Do uso da água ao maneio de nutrientes e estrumes. Onde está o reconhecimento da sociedade por estas práticas? Não pretendemos agradecimentos, os agricultores abraçam a evolução porque a sentem como mais-valia, mas não aceitamos sermos apontados como responsáveis pelo lado negro de todas as questões. Quase se instala a ideia que sem agricultura e sem agricultores, os problemas da água desapareciam.

Hoje mesmo, à tarde, no Conselho Nacional da Água, será debatida a possibilidade de virem a ser criadas condições de utilização de águas recicladas ou residuais. Mas… já se ouvem rumores de que o Ministério do Ambiente, a APA, dizendo que o custo de utilização dessas águas será cobrado aos agricultores, e que será obrigatório o seu uso caso ela seja uma alternativa, mesmo que outra origem esteja disponível e a preço mais reduzido. Espero não ter ouvido bem… e mais não digo, porque mais não sei.

Mas, com espanto, ouvi o Sr. Ministro do Ambiente na semana passada referir que se pretendem reduzir os títulos de utilização, dando a entender que se está a usar água a mais… E sobre mais barragens? Nem pensar…! governem-se com o que há, concluiu. Querem mais regadio?, reguem com menos água.

Sr. Ministro, este discurso redutor tem de ser contrariado. A começar pelo seu.

O regadio, como aqui se vê, é a única forma de enfrentarmos as alterações climáticas e permanecermos nos campos.

O que é que falta então? O diagnóstico está feito. As dificuldades são conhecidas. O conhecimento está disponível. O passo que se reivindica é de acção e conhecermos o caminho.

Qual a Visão que o Estado, este Estado, tem para a água e para a agricultura? Qual a estratégia, ou estratégias, por regiões, por culturas, qual o rumo? Qual a verdadeira estratégia para um maior armazenamento e reserva de água para o País? Está tudo feito?

Precisamos de acção, Sr. Ministro. O Plano Nacional de Regadio, que obviamente saudamos, é curto. Precisamos de sonhar grande. Grande como o projecto Tejo, seja ele o que vier a ser, grande como Alqueva, grande como o Sorraia. Grande, neste contexto, não tem a ver com tamanho, tem a ver com ambição, com um objectivo.  

Se assim não for muitos arrumarão as botas e baterão com a porta. Recomeçar mais tarde não será fácil. Veja-se o que se passa no tão falado interior.

Alonguei-me, peço desculpa, mas estes assuntos, em especial neste lugar, mexem comigo. Arrisco dizer que mexe connosco, e precisamos que mexa também consigo, Sr. Ministro.

Precisamos de Política Agrícola interna. Precisamos de uma Política Agrícola para a Água. Essas políticas, Sr. Ministro, têm de vir de si. Queremos ouvi-lo.

Muito obrigado.

Discurso proferido no Dia de Campo da Anpromis, Coruche, 10 de Julho 2018